João e Andreia

    João André Silva, 34 anos. Nasceu nos arredores de Lisboa e vive num T1.  De um lado tem vista para a cozinha dos vizinhos,. Do outro consegue ter uma vista desafogada para a sala dos vizinhos. Hoje quando o despertador tocou e se levantou da cama, o João André sentia um nervoso miudinho. Aquela sensação de borboletas na barriga. Olhou para o outro lado e viu a sua Andreia, mas não era isso. Quando a cabeça se ligou, lembrou-se do dia anterior e que tinha ido à Marina de Oeiras ver o lugar para o seu futuro iate para ele e a sua Andreia poderem ir às Berlengas nas folgas. Tirou um café e lá ficou a olhar para a cozinha dos vizinhos e a sonhar. Imaginava o vento a bater nos cabelos da sua Andreia e ele ao leme de chapéu da Quebramar e sapatos de vela. Entretanto o relógio não parou e lá se vestiu à pressa para ir trabalhar. Lancheira ao ombro e lá foi ele com o seu tupperware de frango com arroz. No rádio ouviu, entusiasmado: “Hoje toma posse o XXIV governo constitucional de Portugal”. A cabeça voltou ao iate e aos cabelos da sua Andreia. “FInalmente! Desta é que vai ser.” pensou.

    -”Bom dia Miguel” - entrou cumprimentando o colega, - É desta, Miguel! É desta!

    O colega anuiu com um sorriso emocionado. A esperança inundava aqueles corredores.  Despachavam relatórios e faziam telefonemas, nada que não fizessem antes do dia 10 de Março, mas agora com a convicção de que a vida ia mudar. 

    Nas conversas de copa falava-se da campanha eleitoral e do crescimento do país e da possibilidade de carreiras justas, ordenados compatíveis com  a inflação. Pareciam os Capitães de Abril nos meses depois do 25 de Abril. Cheios de sonhos e de projetos e sem Novembro no calendário.

    Em casa, a Andreia que estava de folga depois de uma noite dura de trabalho na urgência do Hospital tinha despertado. Bem-disposta, nem se lembrava que a noite tinha sido má. Saiu de rompante da cama e pôs-se a sonhar com um copo de café na mão. Do outro lado, na sala dos vizinhos que via  do seu T1 houve um acenar enérgico, nunca o tinham feito. Retribuiu, pensando que as Berlengas iam ser a realidade nas folgas e o vento nos cabelos e o seu João André de chapéu da Quebramar e sapatos de vela ao leme. Estava na calma de um dia de folga, mas tinha de arrumar a casa e a roupa. Lá foi para os seus afazeres. Com a televisão ligada suspirou ao ouvir: “Hoje toma posse o XXIV governo constitucional de Portugal”. Sentiu a brisa do mar nos cabelos e pensou “Finalmente! Desta é que vai ser.”

    17 horas. É hora de ir para casa, hoje ninguém trabalha mais horas! João André vai ansioso para o carro, tenta sair da garagem e estava o caos, todos tinham pegado no carro à mesma hora e as cancelas não davam conta do recado. Os 15 minutos mais lentos da sua vida. Trânsito na rua, buzinadelas, sirenes, parecia o fim do mundo! Estacionou e correu para o prédio, no elevador puxou a gravata como que para conseguir respirar, entrou em casa, abraço e beijo na sua Andreia e sentam-se os dois à televisão. Já lá andavam os jornalistas à procura do primeiro-ministro e a descrever tudo. “É agora! É agora!”, gritou a Andreia entusiasmada. 

    Era o discurso do culminar da campanha que vinha depois de um silêncio ensurdecedor e depois das confusões no Parlamento. O entusiasmo era grande, a esperança ainda maior. Em silêncio, ouviram tudo!

(continuará em momento oportuno)


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Literacia financeira

(des)rotinar